Entrevista da Semana: Pe. Jesus Bringas Trueba
23/12/2007 Padre Jesus passou por diversos países e veio parar no Coração de São Paulo, à frente da Paróquia de São Sebastião
Pelo dom da fé, através do mundo
Um religioso leva o nome do símbolo máximo do cristianismo, Jesus. O padre que comanda a Paróquia de São Sebastião em Bauru é calmo, idealista e amante das artes. Com esse Jesus, de voz forte e pronúncia marcada por sua origem espanhola, é possível conversar, orar e aprender.
O padre, mais que um sacerdote, é alguém que quer trazer à sua comunidade algo melhor: educação, conhecimento, quebra de estigmas e preconceitos. Poliglota – ele fala inglês, espanhol, português, francês, já ensinou grego e latim e ainda compreende italiano – Pe. Jesus se prontifica a falar com o coração.
Em uma conversa franca, contou ao JC parte de sua história de andanças pelo mundo. Missionário da Companhia de Maria, viajou pela Europa, toda a América Latina e mais Israel e Estados Unidos. Jesus poderia ter escolhido uma profissão mundana, mas diz que Deus deu-lhe um dom. Pela fé que possui, o chamado do Criador foi ouvido e seguido de bom grado. E, num dos desígnios inexplicáveis da vida, veio parar numa cidade do Interior de São Paulo, Bauru - ele, um certo Jesus.
Jornal da Cidade – O senhor é espanhol. De qual cidade da terra das touradas, padre?
Padre Jesus Bringas Trueba: De Madrid. Lá nasci em 1934 e lá vivi até 1952. Depois, mais uma vez, entre 1969 a 75. Deixar Madrid foi uma realidade, eu sou membro de uma congregação religiosa, a Companhia de Maria. Na verdade, ela é uma congregação missionária e ao fundar sua sede no Brasil, me ofereci como voluntário.
JC - Como foi a sua infância?
Pe. Jesus: Tenho seis irmãos homens e tive uma infância tranqüila, no difícil período pós-Guerra Civil Espanhola. Havia problemas, mas pude ter uma boa educação na escola, também muitos estudos extracurriculares e esportes. Meu pai era arquiteto e minha mãe cuidava de nossa casa.
JC – Como foi o período pós-guerra?
Pe. Jesus: Difícil. Foi difícil politicamente, porque a Espanha ficou isolada do mundo ocidental, apesar de não ter se aliado à Alemanha. A dimensão do franquismo era um pouco fascista, digamos. Depois da Guerra, os aliados boicotaram a Espanha. E, enfim, o “boom” espanhol veio entre os anos 60 e 70 e, em definitivo, com a entrada do país no Mercado Comum Europeu. Hoje, a Espanha é a sétima economia do mundo.
JC – Havia algum religioso na sua família? Como o senhor se interessou pela vida religiosa?
Pe. Jesus: Um de meus irmão também se ordenou padre. Eu frequentava o Colégio do Pilar, de orientação católica, regido pela Congregação Marianista. Mas, sobretudo, Deus me deu a graça da vocação, porque ela é um dom, um chamado que você precisa responder. Aos 18 anos, eu ingressei na congregação.
JC - Como foi o processo até que o senhor se tornasse padre?
Pe. Jesus: A Congregação Companhia de Maria é fundamentalmente dedicada à educação. Por isso, depois de quatro anos de formação religiosa e dos estudos na Universidade de Madrid, eu ministrei aulas de literatura, filosofia, grego, latim e religião. Minhas classes eram em uma escola que admitia pessoas de toda a sociedade. Tive que deixar de lecionar para fazer meus estudos de Teologia em Friburgo, na Suíça, e os estudos catequéticos em Bruxelas, na Bélgica. Só então me ordenei, tinha 34 anos.
JC - O senhor começou a trabalhar como voluntário em Madrid?
Pe. Jesus: Primeiro estive em Jerez (de la Frontera ) em Andaluzia, sul da Espanha. Depois fui a Valladolid e voltei a Madrid. E então vim ao Brasil e aqui estou há 30 anos.
JC - O que o motivou para que buscasse um país tão diferente da maioria dos Estados europeus?
Pe. Jesus: Esta pergunta só Deus poderia responder, pois é ele quem dá o querer e o poder. Também me moveu um desejo de levar aos que menos tinham, em teoria, porque depois descobri que o Brasil, em muitos aspectos, é superior em relação à Europa. Em valores humanos, é mais rico o Brasil: as pessoas são mais acolhedoras, festivas, sensíveis, amantes da natureza e solidárias até. Os brasileiros são mais abertos ao Mistério da religião de Deus, embora isso não indique que sejam cristãos. Em toda cultura é preciso ver o que é bom, o que já foi marcado por Deus. Estas são as Sementes do Verbo. Mas também é preciso ver o que precisa ser purificado e o que necessita ser rejeitado, porque desumaniza, são os anti-valores tocados pelo pecado de acordo com o Evangelho.
JC - Segundo esse ponto de vista, como o senhor vê o Brasil?
Pe. Jesus: No Brasil, eu encontrei um país ótimo, cheio, por exemplo, de compaixão, ternura, comunicação, o “saber perder o tempo”, hospitalidade, festa, vitalidade, transigência, alegria, expressividade... Mas, como em outros lugares, algumas coisas precisam ser purificadas, como a sensualidade excessiva, o concordar sempre para agradar, o provisório definitivo e a submissão.
JC - Por falar em Brasil, o senhor gosta de futebol?
Pe. Jesus: Eu jogava futebol no colégio em Madrid, chegamos a ser campeões escolares da Espanha.
JC – Mesmo com tantas coisas a serem feitas, o senhor está a 30 anos no Brasil. Pensa em voltar algum dia para a Europa?
Pe. Jesus: Olha, acho que o Brasil já é minha segunda pátria; outra coisa é a cultura, os valores e as raízes de minha terra. Acho que, por enquanto, Deus me indica que fique desde que seja útil e não uma carga.
JC – Como é o seu contato com a Espanha? Ainda há parentes e amigos por lá?
Pe. Jesus: Minha mãe está viva, 101 anos. Meus irmãos também, mas os amigos são uma coisa interessante. É impossível cultivar amigos sem estar ao lado deles, mas estive em muitos lugares e deixei amigos em todos eles. A relação é diferente, tem um custo diferente. Aqui tenho muitos amigos, amigos em profundidade. Uma coisa que o viajar e o viver fora te dá é a capacidade de ser um pouco mais cidadão do mundo e menos chauvinista, menos “o meu”, a minha pátria e a minha casa.
JC – O senhor veio direto para Bauru ou passou por outras cidades?
Pe. Jesus: Vim para Bauru e fiquei até 1987, depois fiquei um período em Tupã e então voltei para cá, em 1995. Em Bauru, cheguei para cuidar da paróquia e dentro dela sempre cultivei a educação. Me interessa muito a relação fé-cultura, fé-ciência, já que, na verdade, todas elas surgem da mesma fonte. Quando a fé entra em conflito com a ciência e vice-versa, ou não é fé ou não é ciência.
JC - Talvez seja óbvio, mas o senhor cultiva mais o lado da fé?
Pe. Jesus: Não é tanto o cultivar, porque a fé é um dom. Durante esse período de Natal, que agora estamos vivendo, é possível refletir sobre muitas coisas, entre elas o Mistério. O grande presente que Deus deu, ainda não conhecemos. Esse presente é o que chamamos “virar divino”, é a natureza divina. Deus se fez humano para que pudéssemos entrar em seu mundo, era Cristo, que tornou-se algo maravilhoso e desconhecido, uma emergência que chamamos de ressurreição. É nesta vida que poderemos viver a vida que Deus deu, a imortalidade que superou a limitação da matéria. Deus nos deixou um desejo de infinito e, como dizia bem o filósofo Maurice Blondel (1861-1949, França), nós vamos às coisas com um desejo e, quando conseguimos, vemos que na realidade queremos ir às coisas porque nos falta. É um motor, queremos conseguir algo que nos falta. Porém, quando conquistamos esses desejos parciais, secundários, notamos que não se satisfazem por completo. O ser humano, sob o ponto de vista de (Albert) Camus ou (Jean-Paul) Sartre, é uma “paixão inútil”, é o desejar e não conseguir. Eu penso que é interessante, porém, que cada ser humano sabe que deseja e tem sede porque há uma fonte, essa é a fé. A fé é dom razoável que se faz pela entrega e não pela evidência da razão.
JC – Se a fé é um dom e, talvez por isso, o senhor nunca tenha deixado seu caminho, por conhecer filosofia, já se sentiu tentado em deixar a vida religiosa?
Pe. Jesus: Não. Quem tem a experiência do amor e de sua antropologia, vai perceber que o amor não se impõe. Deus dá o dom, mas não obriga. Acolher a Deus é um ato livre de amor. É uma questão tão delicada que parece não existir, mas para mim é mais difícil não crer do que crer.
JC - O que falta para o Brasil ser um país completo?
Pe. Jesus: Educação e vontade política para valorizar o professor com bons salários, reconhecimento e prestígio. Quando um país investe pesado em educação, depois de 15 a 20 anos decola para valer.
JC - Como o senhor vê o crescimento das igrejas pentecostais?
Pe. Jesus: É um fenômeno e uma realidade. Penso que há pessoas fantásticas ali, cheias de boa vontade e generosidade. Seus valores vão ao encontro das necessidades da população, mas, por vezes, a resposta na busca por uma teologia da prosperidade material é equivocada. Devemos buscar ali a prosperidade espiritual. A maior pobreza de um povo é não conhecer a Cristo, não estar próximo de Deus.
JC - Como o senhor vê as vertentes da Igreja Católica, que pregam apenas uma preocupação voltada à vida eterna e esquecem desta vida, do agora?
Pe. Jesus: Isso não é o cristianismo. Cristo é aquele que teve maior reverência ao transcendente e aquele que mais se entregou para o imanente. Aquele que vive o Mistério de Cristo é profundamente aberto e “horizontal”. Se falta um dos dois, não é cristão. Você pode fugir para a espiritualidade desencarnada ou da abertura ao transcendente, mas lhe faltará algo. Não só de pão vive o homem, nem só de olhar para o céu. É com a força que Deus nos deu que podemos transformar o mundo.
JC - E sobre a renovação carismática da igreja?
Pe. Jesus: É uma espiritualidade admitida dentro da Igreja e nela, como em outra opção, é possível haver enfoques um pouco desajustados.
JC - E na cultura, qual é a área que o senhor mais gosta?
Pe. Jesus: Gosto de teatro, cinema, mas sobretudo de música. Especialmente música clássica. Minhas preferidas são a “Nona Sinfonia” de (Ludwig van) Beethoven e “O Messias” de (G.F.) Handel.
JC - Bauru não tem uma vida cultural muito agitada. Como o senhor alimenta seu amor pela arte?
Pe. Jesus: Internet. Esta é uma fonte de informação enorme e por isso é preciso ter critério. Sites especializados ajudam a acompanhar melhor os acontecimentos do mundo. Quando se tem conhecimento, é possível conseguir de maneira mais rápida essas informações, mas para isso vão-se os anos (risos).
JC - Voltando a Bauru, como é a sua paróquia?
Pe. Jesus: A Paróquia de São Sebastião é relativamente pequena, mas muito preparada e cheia de pessoas responsáveis. Mas, assim como em outros lugares, uma minoria se compromete para valer. Agora, comprometer-se de verdade não é só em relação ao campo “interior” da Igreja. Todo ser humano, se é cristão, tem que se comprometer na política, na educação, na celebração, no lazer, no trabalho, nos esportes, na cultura, nas artes. Porque é aí que está o fermento e o sabor. Deus não nos disse para sermos o alimento do mundo, mas seu tempero. Há pouco tempo, com o esforço dos paroquianos, conseguimos reconstruir essa paróquia.
JC – Uma mensagem para o Natal...
Pe. Jesus: Que neste Natal, seu coração seja o local onde Cristo quer nascer de maneira nova. Arrume para ele um pouco de palha, isto é, de humildade. Um pouco de pão para repartir, porque Belém é a “Casa do Pão” e na manjedoura está o alimento do mundo. Arrume para ele um coração arrependido e agradecido. Feliz Natal, mais uma vez o novo está para começar. Que você tenha um Natal sem fome em sua casa e na do irmão a quem pode ajudar. E que você tenha um Natal em que possa matar sua fome de Deus e de fraternidade.
Perfil
Nome - Jesus Bringas Trueba
Nascimento – 28/10/1934 – Madrid/ Espanha.
Time do coração - Real Madrid e Corinthians.
Música - Clássica e folclórica.
Filme – Toda a obra de Ingmar Bergman.
Livro - Bíblia e “Comentários bíblicos”, de Anselm Grün.
Nota 10 - Jesus.
Nota zero - Ninguém, porque Deus não marca.
Fonte: Daiana Dalfito - Jornal da Cidade
Bauru, 23/12/2007
Sua canção preferida
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